sexta-feira, 13 de junho de 2014

Uma Breve Descrição Da Psicanálise



                                                          Resumo Do Capítulo I


      1° - Pode-se dizer que a Psicanálise nasceu com o século XX, pois a publicação em que ela emergiu perante o mundo como algo novo - A Interpretação de Sonhos - traz a data '1900' (porém ela foi realmente publicada no começo de novembro de 1899. Cf. Edição Standard Brasileira, Vol. IV, xviii,
IMAGO Editora, 1972.).



      2° - Porém, como bem se pode supor, ela não caiu pronta dos céus. Teve seu ponto de partida em idéias mais antigas, que ulteriormente desenvolveu-se; originou-se de sugestões anteriores, as quais elaborou. Qualquer história a seu respeito deve, portanto, começar por uma descrição das influências que determinaram sua origem, e não desprezar a época e as circunstâncias que precederam sua criação. 


      Doenças Nervosas "Funcionais" - No início, tinha apenas um único objetivo - o de compreender algo da natureza daquilo que era conhecido como doenças nervosas 'funcionais', com vistas a superar a impotência que até então caracterizara seu tratamento médico. Os neurologistas daquele período haviam sido instruídos a terem um elevado respeito por fatos químico-físicos e patológico-anatômicos e estavam ultimamente sob a influência dos achados de Hitzig e Fritsch, de Ferrier, Goltz e outros, que pareciam ter estabelecido uma vinculação íntima e possivelmente exclusiva entre certas funções e partes específicas do cérebro. 

Dr. G.T. Fritsch

Eduard Hitzig (1898)

                                                       
      4° A Quem Eles Deixavam A Interpretação Do Fator Psíquico? - Eles não sabiam o que fazer do fator psíquico e não podiam entendê-lo. Deixavam-no aos filósofos, aos míticos e - aos charlatãs; e consideravam não científico ter qualquer coisa a ver com ele. Por conseguinte, não podiam encontrar qualquer abordagem aos segredos das neuroses, e, em particular, da enigmática 'histeria', que, na verdade, era o protótipo de toda a espécie. Já em 1885, quando eu estava estudando na Salpêtrière, descobri que as pessoas se contentavam em explicar as paralisias histéricas através de uma fórmula que asseverava serem elas fundadas em ligeiros distúrbios funcionais das mesmas partes do cérebro que, quando gravemente danificadas, levavam às paralisias orgânicas correspondentes.


Filósofos Da Antiguidade


      5° O Tratamento Utilizado Nos Casos De Histeria - Naturalmente, essa falta de compreensão afetava também bastante o tratamento desses estados patológicos. Em geral, ele consistia em medidas destinadas a 'endurecer' o paciente - na prescrição de remédios e em tentativas, na maioria muito mal imaginadas e executadas de maneira inamistosa, de aplicar-lhe influências mentais por meio de ameaças, zombarias e advertências, e exortando-o a decidir-se a 'conter-se'. O tratamento elétrico era fornecido como sendo uma cura específica para estados nervosos; porém, todo aquele que se tenha esforçado por cumprir as instruções pormenorizadas de Erb (1882), tem de maravilhar-se com o espaço que a fantasia pode ocupar mesmo naquilo que professa ser uma ciência exata. 


Exemplo De Tratamento Elétrico: Choque Insulínico


      6° A Entrada Da Hipnose Em 1880 - A guinada decisiva foi dada na década de 1880, quando os fenômenos do hipnotismo fizeram mais uma tentativa de buscar admissão à ciência médica - dessa vez com mais sucesso do que tantas vezes antes, graças ao trabalho de Liébeault, Bernheim, Heidenhain e Forel. O essencial foi ter sido reconhecida a genuinidade desses fenômenos. Uma vez isso admitido, duas lições fundamentais e inesquecíveis não podiam deixar de ser extraídas do hipnotismo. Em primeiro lugar, recebia-se prova convincente de que notáveis mudanças somáticas afinal de contas podiam ser ocasionadas unicamente por influências mentais, as quais, nesse caso, nós próprios tínhamos colocado em movimento. Em segundo, recebia-se a impressão mais clara - especialmente do comportamento dos indivíduos após a hipnose - da existência de processos mentais que só se poderia descrever como 'inconscientes'.



                   

       

 
Hippolyte Bernheim

   
      7° O Inconsciente Na Década De 1880 - O 'inconsciente', é verdade, há muito tempo estivera sob discussão entre os filósofos como conceito teórico, mas agora, pela primeira vez, nos fenômenos do hipnotismo ele se tornava algo concreto, tangível e sujeito a experimentação. Independentemente de tudo isso, os fenômenos hipnóticos mostravam uma semelhança inequívoca com as manifestações de algumas neuroses.


      8° A Hipnose Como Auxílio No Estudo Das Neuroses - A hipnose também provou ser um auxílio valioso no estudo das neuroses - mais uma vez, primeiro e acima de tudo, da histeria. Os experimentos de Charcot criaram grande impressão. Suspeitou ele que certas paralisias ocorridas após um trauma (um acidente) eram de natureza histérica, e demonstrou que, pela sugestão de um trauma sob hipnose, podia provocar artificialmente paralisias do mesmo tipo. Surgiu assim a expectativa de que as influências traumáticas poderiam, em todos os casos, ter um desempenho na produção dos sintomas histéricos. O próprio Charcot não fez outros esforços no sentido de uma compreensão psicológica da histeria, mas seu aluno, Pierre Janet, retomou a questão e pôde demonstrar, com o auxílio da hipnose, que os sintomas da histeria eram firmemente dependentes de certos pensamentos inconscientes (idées fixes). Janet atribuiu à histeria uma suposta incapacidade constitucional de manter reunidos processos mentais - incapacidade que levava a uma desintegração (dissociação) da vida mental. 

Jean Martin Charcot

                                                               

      9° O Fator Decisivo Para A Psicanálise - A psicanálise, contudo, de maneira alguma se baseou nessas pesquisas de Janet. O fator decisivo, em seu caso (para a psicanálise), foi a experiência de um médico vienense, o Dr. Josef Breuer. Em 1881, independentemente de qualquer influência externa, ele pôde, com o auxílio da hipnose, estudar e restituir à saúde uma jovem muito dotada que sofria de histeria. Os achados de Breuer não foram comunicados ao público senão quinze anos mais tarde, após ele haver tomado por colaborador o presente autor (Freud). Esse caso de Breuer retém sua significação única para nossa compreensão das neuroses até o dia de hoje.   


Dr. Josef Breuer


      10° O Caso De Breuer - A jovem caíra enferma enquanto servia de enfermeira para o pai, a quem estava ternamente ligada. Breuer pôde estabelecer que todos os seus sintomas estavam relacionados a esse período de enfermagem e podiam ser por ele explicados. Assim, pela primeira vez, tornou-se possível ganhar uma visão completa de um caso dessa enigmática neurose, e todos os seus sintomas demonstraram ter significado. Ademais, constituiu característica universal dos sintomas terem eles surgido em situações que envolviam um impulso a uma ação que, contudo, não fora levada a cabo, mas sim, por outras razões, fora suprimida. Os sintomas, de fato, haviam aparecido em lugar das ações não efetuadas. Assim, para explicar a etiologia dos sintomas histéricos, fomos levados à vida emocional do indivíduo (à afetividade) e à ação recíproca de forças mentais (à dinâmica), e, desde então, essas duas linhas de abordagem nunca mais foram abandonadas.   


Anna O., pseudônimo de Bertha Pappenheim (1859-1936), paciente de Josef Breuer, que publicou seu estudo de caso no "Estudos sobre a Histeria” (1895)


      11° As Causas Precipitantes Do Sintoma Histérico - As causas precipitantes dos sintomas foram comparadas por Breuer aos traumas de Charcot. Ora, constituía fato notável que todas essas causas precipitantes traumáticas e todos os impulsos mentais que delas se originavam estavam perdidos para a memória da paciente, como se jamais houvessem acontecido, ao passo que seus produtos - os sintomas - persistiam inalterados, como se, no que lhes concernia, não existisse aquilo denominado de Efeito Obliterador do Tempo. Aqui, portanto, tínhamos uma nova prova da existência de processos mentais que eram inconscientes, mas, por essa razão, especialmente poderosos - processos que primeiro vínhamos conhecendo na sugestão pós-histórica. 


      12° O Procedimento Terapêutico Adotado Por Breuer - O procedimento terapêutico adotado por Breuer foi induzir a paciente sob hipnose a relembrar os traumas esquecidos e reagir a eles com poderosas expressões de afeto. Quando isso era feito, o sintoma, que até então tomara o lugar dessas expressões de emoção, desaparecia. Dessa maneira, um só e mesmo procedimento servia simultaneamente aos propósitos de investigar o mal e livrar-se dele, e essa conjunção fora do comum foi posteriormente conservada pela psicanálise.  


      13° Estudos Sobre Histeria - Após o presente autor (Freud), durante o começo da década de 1890, ter confirmado os resultados de Breuer em considerável número de pacientes, ambos, Breuer e Freud, decidiram conjuntamente uma publicação, Estudos Sobre Histeria (1895d), que continha suas descobertas e a tentativa de uma teoria nelas baseada. Asseverava esta que os sintomas histéricos surgiam quando o afeto de um processo mental catexizado por um forte afeto era impedido pela força de ser conscientemente elaborado da maneira normal, e era assim desviado para um caminho errado. Nos casos de histeria, segundo essa teoria, o afeto passava para uma enervação somática fora do comum ('Conversão'), mas se lhe podia dar outra direção e ver-se livre dele ('Ab-reagido') se a experiência fosse revivida sob hipnose. Os autores davam a esse procedimento o nome de 'Catarse' (purgar, liberar um afeto estrangulado).





      14° O Abandono Da Hipnose Pela Psicanálise - O método catártico foi o percursor imediato da Psicanálise, e, apesar de toda a ampliação da experiência e toda modificação da teoria, ainda está nela contido como seu núcleo. Ele, porém, não era mais que um novo procedimento médico para influenciar certas doenças nervosas e nada sugeria que se pudesse tornar tema para o interesse mais geral e para a contradição mais violenta.  

















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