terça-feira, 31 de maio de 2016

Sobre Os Sonhos

                                                              Sobre Os Sonhos

                                                             Uber den Traum


                                                                   Capítulo 3



      1° A Transformação Dos Pensamentos Oníricos - A transformação dos pensamentos oníricos latentes no conteúdo manifesto do Sonho merece toda a nossa atenção, visto ser esse o primeiro exemplo que nos é conhecido de Transposição Do Material Psíquico de um modo de expressão para outro, de um modo de expressão que nos é imediatamente inteligível para outro que só podemos chegar a entender com a ajuda de orientação e esforço, embora também ele deva ser reconhecido como uma função de nossa atividade anímica.





      2° Primeira Categoria Dos Sonhos - No tocante à relação entre o conteúdo latente e o manifesto, os Sonhos podem ser divididos em três categorias. Em primeiro lugar, podemos distinguir os Sonhos que fazem sentido e são, ao mesmo tempo, inteligíveis, ou seja, que podem ser inseridos sem maior dificuldade no contexto de nossa vida anímica. Temos inúmeros desses Sonhos. Em sua maior parte, eles são curtos e em geral nos parecem merecer pouca atenção, já que nada há de espantoso ou estranho neles. Aliás, sua ocorrência constitui um poderoso argumento contra a teoria segundo a qual os Sonhos se originam da atividade isolada de grupos separados de células cerebrais. Eles não dão nenhuma indicação de atividade psíquica reduzida ou fragmentária, mas, apesar disso, jamais questionamos o fato de serem Sonhos e não os confundimos com os produtos da vigília. 


                               



      Um segundo grupo é formado pelos Sonhos que, embora sejam coerentes em si e tenham um sentido claro, produzem, ainda assim, um efeito desconcertante, pois não vemos como encaixar esse sentido em nossa vida anímica. Tal é o caso ao sonharmos, por exemplo, que um parente de quem gostamos muito morreu de peste, sem que tenhamos qualquer razão para esperar, temer ou presumir uma coisa dessas; e nos perguntamos, assombrados: "Como é que fui arranjar essa ideia?"

      O terceiro grupo, enfim, contém os Sonhos destituídos de sentido ou inteligibilidade, que parecem desconexos, confusos e sem significado. A esmagadora maioria dos produtos de nosso sonhar exibe essas características, que constituem a base da opinião desfavorável que se tem dos Sonhos e fundamentam a teoria médica de que eles são o resultado de uma atividade anímica restrita. Raramente faltam os mais evidentes sinais de incoerência, sobretudo nas composições oníricas de extensão e complexidade consideráveis.

      O contraste entre os conteúdos manifesto e latente dos Sonhos só tem importância, é claro, para os Sonhos da segunda categoria e, mais particularmente, os da terceira. É ai que nos confrontamos com enigmas que só desaparecem depois de substituirmos o Sonho manifesto pelos pensamentos latentes que estão por trás dele; e foi com um espécime da última categoria - um Sonho confuso e ininteligível - que se efetuou a análise que acabo de relatar.    


     
      3° O Sonho Das Crianças (Realizações De Desejos) - Ocorre que os Sonhos das crianças são ...- plenos de sentido e não enigmáticos. Temos aí, alias, outro argumento contra a teoria que vai buscar a origem dos Sonhos numa atividade cerebral dissociada durante o sono, pois por que é tal redução do funcionamento psíquico seria característica do estado de sono dos adultos, mas não do das crianças? Por outro lado, é-nos plenamente lícito esperar que a explicação dos processos psíquicos das crianças, em que é bem possível que eles sejam muito simplificados, venha a se revelar um prelúdio indispensável à investigação da Psicologia dos Adultos.


    


       ... Na noite que precede uma viagem, não raro sonhamos já ter chegado a nosso destino; do mesmo modo, antes de uma ida ao teatro ou a uma festa, o Sonho muitas vezes antecipa o prazer futuro - por impaciência, por assim dizer. Noutros Sonhos, a realização de desejo se expressa num grau mais indireto; é preciso estabelecer alguma ligação ou implicação - isto é, o trabalho de interpretação tem de ser iniciado - para que se possa reconhecer a realização do desejo.


      Entretanto, antes de nos afastarmos dos Sonhos infantis, com sua indisfarçada realização de desejo, não devo deixar de mencionar uma das principais características dos Sonhos, que há muito se evidenciou e que ressalta precisamente nesse grupo com particular clareza. Cada um desses Sonhos pode ser substituído por uma frase desiderativa: "Ah, se o passeio no lago tivesse durado mais!" - "Oxalá eu já estivesse asseado e vestido!" - "Que bom se eu pudesse ter guardado as cerejas em vez de dá-las a meu tio!" Mas os Sonhos nos fornecem mais do que essas frases desiderativas. Mostram-nos o desejo já realizado; representam sua realização como real e presente; e o material empregado na representação onírica consiste principalmente, embora não exclusivamente, em situações e em imagens sensoriais, sobretudo de caráter visual. Portanto, mesmo nesse grupo infantil, não está completamente ausente uma espécie de transformação que merece ser descrita como trabalho do Sonho: um pensamento expresso no subjuntivo (modo de desejo) é substituído por uma representação no presente do indicativo.



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