quinta-feira, 9 de julho de 2015

Por Que A Psicanálise?

                                             Resumo Do 4° Capítulo 

                                        O Homem Comportamental


   

      01º As Diferentes Revisões Do DSM (Manual Diagnóstico E Estatístico Dos Distúrbios Mentais) - Os conceitos (Psicose, Neurose, Perversão) foram substituídos pela noção frouxa de "Distúrbio" (disorder = distúrbio, desordem), e as entidades clínicas foram abandonadas em favor de uma caracterização sintomática desses famosos Distúrbios. Assim, a Histeria foi reduzida a um Distúrbio Dissociativo ou "Conversivo", passível de ser tratado como um Distúrbio Depressivo, e a Esquizofrenia foi assimilada a uma perturbação do curso do pensamento etc.







      Por outro lado, na tentativa de evitar qualquer polêmica, as diferentes versões do DSM acabaram por abolir a própria ideia de doença. A expressão "Distúrbio Mental" serviu para contornar o problema delicado da inferiorização do paciente, que, se fosse tratado como doente, imporia o risco de exigir "indenizações" do praticante do DSM e até de mover processos judiciais contra ele. Dentro dessa mesma perspectiva, o adjetivo "alcoólatra" foi substituído por "dependente de álcool", além de se haver preferido renunciar à ideia de "Esquizofrenia" em benefício de uma parífrase: "afetado por distúrbios que remetem a uma perturbação de tipo esquizofrênico".

      Igualmente preocupados em preservar as diferenças culturais, os autores do DSM debateram a questão de saber se as condutas políticas, religiosas ou sexuais chamadas "desviantes" deveriam ou não ser assimiladas a Distúrbios Do Comportamento. Concluíram pela negativa, mas afirmaram também que o critério de "agnóstico" só teria valor se o paciente pertencesse a um grupo étnico diferente do examinador.

      À medida que foram sucedendo as diferentes revisões, os promotores do DSM foram caindo um pouco mais no ridículo. Entre 1973 e 1975, chegaram até a se esquecer dos princípios fundamentais da ciência. Substituíram "Homossexualidade" por "Homossexualidade Egodistônica", expressão designativa daqueles que são mergulhados na depressão por suas Pulsões. Tratou-se, na verdade, como assinalou Lawrence Hartmann, de eliminar uma entidade nosográfica para substituí-la pela descrição de um estado depressivo ou ansioso passível de ser tratado pela Psicofarmacologia ou pelo comportamentalismo: "Acho preferível", disse ele, "não utilizar a palavra "homossexual", que pode prejudicar a pessoa. A palavra Depressão não cria problemas, nem tampouco Neurose De Angústia (...). Utilizo as categorias mais vagas e mais genéricas, desde que sejam compatíveis com minha preocupação com a verdade. As companhias de seguros estão convenientemente informadas de que os rótulos diagnósticos que lhes são comunicados são suavizados para não prejudicar o paciente.






      Em 1975, uma comissão de psiquiatras negros exigiu a inclusão do Racismo entre os Distúrbios Mentais. Principal redator do Manual, Robert Spitzer rejeitou essa sugestão justificadamente, mas deu ao Racismo uma definição absurda: "No âmbito do DSM III, deveríamos citar o Racismo como bom exemplo de um estado correspondente a um funcionamento psicológico não ótimo, que, em certas circunstâncias, fragiliza a pessoa e conduz ao aparecimento de sintomas."







      Os princípios enunciados no Manual foram tomados como fonte autorizada de um extremo a outro do planeta a partir do momento em que foram adotados pela Associação Mundial De Psiquiatria (WPA), fundada por Henri Ey em 1950, e, mais tarde, pela Organização Mundial De Saúde (OMS). Com efeito, na décima revisão de sua classificação das doenças (CIM-10), no capítulo F, a OMS definiu os Distúrbios Mentais e os Distúrbios Do Comportamento segundo os mesmos critérios do DSM IV. Por último, depois de 1994, na nova revisão do DSM (ou DSM IV-R), os mesmos princípios - denominados Zero-to-three (ou 0-3) - foram acrescentados ao estudo dos comportamentos considerados dissociativos, traumáticos e depressivos do bebê e das crianças pequenas.



Henri Ey




      O desmembramento dos quatro grandes modelos, que haviam permitido à psiquiatria dinâmica associar uma teoria do sujeito a uma nosologia e a uma antropologia, teve o efeito, portanto, de separar a Psicanálise da psiquiatria, de remeter essa última ao campo de uma medicina biofisiológica que exclui a Subjetividade e, mais tarde, de favorecer uma extraordinária exploração das reivindicações de Identidade e das escolas de Psicoterapia, primeiro nos Estados Unidos e, depois, em todos os países da Europa.

      Nascidas ao mesmo tempo que a Psicanálise, essas escolas de Psicoterapia tem como ponto comum contornar três conceitos Freudianos, a saber, os de Inconsciente, Sexualidade e Transferência. Elas opõem ao Inconsciente Freudiano um Subconsciente Cerebral, biológico ou automático; à Sexualidade, no sentido Freudiano (conflito psíquico), ora preferem uma teoria dos instintos. Por último, opõem à transferência como motor do tratamento clínico uma relação terapêutica derivada da sugestão. 

      Entretanto, deve-se que constatar que somente a Psicanálise foi capaz, desde suas origens, de realizar a síntese dos quatro grandes modelos da psiquiatria dinâmica que são necessários a uma apreensão racional da Loucura e da doença Psíquica. Com efeito, ela tomou emprestado da psiquiatria o modelo nosográfico, da psicoterapia o modelo de tratamento psíquico, da filosofia uma teoria do sujeito, e da antropologia uma concepção de cultura fundamentada na ideia de uma universalidade do gênero humano que respeita as diferenças. 

      A menos que venha a se desonrar, portanto, ela não pode, como tal, contribuir para a ideia, hoje dominante, de uma redução da organização psíquica a comportamentos. Se o termo "Sujeito" tem algum sentido, a subjetividade não é mensurável nem quantificável: ela é a prova, ao mesmo tempo visível e invisível, consciente e Inconsciente, pela qual se afirma a essência da experiencia humana. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Por Que A Psicanálise?

                                            Resumo Do 4° Capítulo 

                                        O Homem Comportamental


      1° A Humanização Do Sofrimento Através Do Modelo Culturalista - Desvinculado dos outros grandes modelos da Psiquiatria Dinâmica, o Modelo Culturalista, na verdade, parece pôr em prática uma humanização do sofrimento, embora, na realidade, leve o paciente a acreditar que seu mal estar não provém dele ou de suas relações com os outros, mas de espíritos maléficos, dos astros, das pessoas que lhe deitam mau olhado ou, numa palavra, da "cultura" e da chamada pertença étnica. A explicação através do cultural, portanto, associa-se à casualidade orgânica e remete o sujeito ao universo da possessão.


      2° Como O DSM Foi Elaborado? - (...) estudar a evolução do famoso Manual Diagnóstico E Estatístico Dos Distúrbios Mentais (DSM), cuja primeira versão (DSM I) foi elaborada pela American Psychiatric Association (APA) em 1952.

      Nessa ocasião, o Manual levava em conta as conquistas da Psicanálise e da Psiquiatria Dinâmica. Defendia a ideia de que os distúrbios psíquicos e mentais decorriam essencialmente da história inconsciente do sujeito, de seu lugar na família e de sua relação com o meio social. (...) Por essa perspectiva, a noção de causalidade orgânica não era desprezada, e a Psicofarmacologia, então em plena extensão, era utilizada em associação com o tratamento pela fala ou com outras terapias dinâmicas.




      Depois de 1952, o Manual foi revisado pela APA em diversas ocasiões, sempre no sentido de um abandono radical da síntese efetuada pela Psiquiatria Dinâmica. Calcado no esquema sinal-diagnóstico-tratamento, ele acabou eliminando de suas classificações a própria subjetividade. Houve quatro revisões: em 1968 (DSM II), em 1980 (DSM III), em 1987 (DSM III-R) e em 1994 (DSM IV). O resultado dessa operação progressiva de limpeza, dita "ateórica", foi um desastre. Fundamentalmente, ela visou a demonstrar que o distúrbio da alma e do psiquismo devia ser reduzido ao equivalente à pane de um motor.




     3° Existe CURA Em Psicanálise? - Trata-se de uma nuance considerável, e que diz respeito à própria definição do status da cura em Psicanálise. Com efeito, como já recordei, no campo do psiquismo não existe cura no sentido como esta é constatada no campo das doenças somáticas, sejam elas genéticas ou orgânicas. Na medicina científica, a eficácia apoia-se no modelo sinais-diagnóstico-tratamento. Constatam-se os sintomas (febre), dá-se um nome à doença (febre tifóide) e se administra um tratamento (medicamento antibiótico). O doente então fica "curado" do mecanismo biológico da doença.



quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Psicanálise Sob O Olhar De... Françoise Giroud

                                                        A Análise


      "A Análise é árdua e faz sofrer. Mas, quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei e guardo por Jacques Lacan uma gratidão infinita (...). Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (...). Isso é o que uma Psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro."



Françoise Giroud

A Psicanálise Sob O Olhar De... Sigmund Freud

                                                   Sobre A Libido...


      ... A um outro psicólogo norte-americano que lhe propôs "medir" a Libido e dar seu nome (um freud) à unidade de medida, ele também respondeu:

      "Não entendo de física o suficiente para formalizar um juízo confiável nessa matéria. Mas, se o senhor me permite pedir-lhe um favor, não dê meu nome à sua unidade. Espero poder morrer, um dia, com uma Libido que não tenha sido medida."



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Porque A Psicanálise?


                                             Resumo Do Capítulo 2

                                       Os Medicamentos Do Espírito


      1º O Que São E Para Que Servem Os Psicotrópicos? - A partir de 1950, as substâncias químicas - ou psicotrópicos - modificaram a paisagem da loucura. Esvaziaram os manicômios e substituíram a camisa de força e os tratamentos de choque pela redoma medicamentosa. Embora não curem nenhuma doença mental ou nervosa, elas revolucionaram as representações do Psiquismo, fabricando um "novo homem", polido e sem humor, esgotado pela evitação de suas paixões, envergonhado por não ser conforme ao ideal que lhe é proposto.



      Receitados tantos por clínicos gerais quanto pelos especialistas em Psicopatologia, os Psicotrópicos tem o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar a significação.


      2º Psicotrópicos E Seus Grupos - Os Psicotrópicos são classificados em três grupos:


  1. Os Psicolépticos - neste grupo encontram-se os medicamentos hipnóticos, que tratam os distúrbios do sono, bem como os ansiolíticos e os tranquilizantes, que eliminam os sinais de angústia, ansiedade, fobia e de diversas outras neuroses e, por fim, os neurolépticos (ou antipsicóticos), que são medicamentos específicos para a Psicose e todas as formas de Delírios crônicos ou agudos.                                                                                                            
  2. Os Psicoanalépticos  - neste grupo reúnem-se os estimulantes e os antidepressivos.                                                                                                           
  3.  Os Psicodislépticos - neste grupo estão os medicamentos alucinógenos, os estupefacientes e os reguladores de humor.
 
                            


      3º A Camisa De Força Química - A princípio, a Psicofarmacologia deu ao homem uma recuperação da liberdade. Postos em circulação por dois psiquiatras franceses, Jean Delay e Pierre Deniker, os neurolépticos desenvolveram a fala ao louco. Permitiram sua reintegração na cidade. Graças a eles, os tratamentos bárbaros e ineficazes foram abandonados. Quantos aos ansiolíticos e aos antidepressivos, trouxeram aos neuróticos e aos deprimidos uma tranquilidade maior.
 
        


      No entanto, à força de acreditar no poder de suas poções, a Psicofarmacologia acabou perdendo parte de seu prestígio, a despeito de sua impressionante eficácia. Na verdade, ela encerrou o sujeito numa nova alienação ao pretender curá-lo da própria essência da condição humana. Por isso, através de suas ilusões, alimentou um novo irracionalismo. É que, quanto mais se promete o "fim" do sofrimento psíquico através da ingestão de pílulas, que nunca fazem mais do que suspender sintomas ou transformar uma personalidade, mais o sujeito, decepcionado, volta-se em seguida para tratamentos corporais ou mágicos.

      Não surpreende, portanto, que os excessos da Farmacologia tenham sido denunciados justamente por aqueles que a haviam enaltecido, e que hoje reivindicam que os remédios da mente sejam administrados de maneira mais racional e em coordenação com outras formas de tratamento: Psicoterapia e Psicanálise.

      ... o inventor desses medicamentos, Henri Laborir, sempre declarou que a Psicofarmacologia não era, como tal, a solução para todos os problemas:
"Por que ficamos contentes por dispor de Psicotrópicos? Porque a sociedade em que vivemos é insuportável. As pessoas não conseguem mais dormir, ficam angustiadas e necessitam ser tranquilizadas, mais nas megalópoles do que noutros lugares. Às vezes me censuram por haver inventado a Camisa De Força Química..."

      ... De fato, ela (a Psicofarmacologia) permite que todos os médicos - em especial os clínicos gerais - abordem da mesma maneira todo tipo de afecções, sem que jamais se saiba de que tratamento elas dependem. Assim, Psicoses, Neuroses, Fobias. Melancolias e Depressões são tratadas pela Psicofarmacologia como um punhado de estados ansiosos, decorrentes de lutos, crises de pânico passageiras, ou de um nervosismo extremo, devido a um ambiente fácil. 

      ... passada a Ideologia Medicamentosa ...

      4º A Banalização Da Psicanálise E O Destino Da Anna O. - A palavra "Psicanálise" fez sua aparição em 1896, num texto de Sigmund Freud redigido em francês.  Um ano antes, com seu amigo Josef Breuer, ele havia publicado seus famosos Estudos Sobre A Histeria, livro em que relatava o caso de uma moça judia vienense que sofria de uma estranha doença de origem psíquica, na qual eram postas em cena Fantasias Sexuais através de contorções do corpo. A paciente chamava-se Berta Pappenheim, e seu médico, Breuer, que vinha cuidando dela pelo chamado método "catártico", deu-lhe o nome de Anna O. A história dessa paciente viria a se tornar lendária, pois é Anna O., isto é, a uma mulher, e não a um cientista, que se atribui a invenção do método Psicanalítico: um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, se não curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo.

      Consultando os arquivos, os historiadores modernos demonstraram que o famoso caso de Anna O., apresentado por Freud e Breuer como protótipo da cura catártica, não levou, na realidade, à cura da paciente. Em todo caso, Freud e Breuer decidiram publicar a história dessa mulher e expô-la como um caso princeps, para melhor reivindicar, em oposição ao psicólogo francês Pierre Janet, a prioridade da descoberta do método catártico. Quanto a Berta Pappenheim, se não foi curada de seus sintomas, certamente se transformou numa outra mulher. Militante feminista, devota e rígida, consagrou sua vida aos órfãos e às vítimas do anti-semitismo, sem jamais evocar o tratamento psíquico que recebeu na juventude e que fez dela um mito.


      5° Psicanálise Presente E Não Presente - Quanto mais as instituições psicanalíticas implodem, mais a Psicanálise está presente nas diferentes esferas da sociedade e mais serve de referência histórica para a Psicologia Clínica que, no entanto, veio substituí-la. A língua da Psicanálise transformou-se num idioma comum, falado tanto pelas massas quanto pelas elites... Hoje em dia, ninguém mais desconhece o vocabulário Freudiano: fantasia, supereu, desejo, libido, sexualidade, etc...